PEQUENOS SALVAMENTOS

observo todos os sinais
folhas que caem no exato momento
em que estou passando
abelhas que pousam sobre a minha mão
bilhetes que encontro na poltrona do ônibus
frases soltas nas paredes dos banheiros

tudo me diz do futuro
no entanto me sinto
cada vez mais despreparado
como se a vida quisesse
me pegar desprevenido

como se a vida quisesse
me mostrar que é feita
desses sustos cotidianos
que eu chamo de
pequenos salvamentos

*

hoje uma flor da minha orquídea
caiu sobre um livro de poemas
e eu soube, naquele instante,
que era preciso me abrir à alegria

(Wendel Valadares)

O poema nasceu desprevenido, inaugurando novas alegrias.

A orquídea foi presente dos meus amigos Alê, Jaya e Pam. 

Então, é pra eles este poema.

ainda é tempo de acordar

a manhã

o sonho

a vida

percebe como os pássaros

não guardaram seus cantos

percebe como é essencial

esse grito

ainda é tempo de inaugurar

o futuro

- apenas canta

(Wendel Valadares)

aprender com as flores 

a delicadeza de perceber o tempo

florir, rir, ir

na hora exata

- um aprendizado de eras

aprender com as flores

a esperança de perceber o tempo

alguma coisa amarela 

para acordar o dia

- despertar a alegria

(Wendel Valadares)

Imagem disponível gratuitamente no site pixabay

 Em cada verso já sabido

há sempre um pássaro passando.

(Lúcio Cardoso - Fênix)

voa sozinho ao fim da tarde 

o pássaro solitário

há muitos séculos empreende esta viagem

destino dos que nasceram com o coração alado 

* * *

voa sozinho ao fim da tarde 

o pássaro solitário

vai colorindo o vermelho-fogo do crepúsculo 

ferindo de asas esta hora sagrada

(Wendel Valadares)

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muitos acreditam que a grande aventura da vida 

é o voo

[desbravar o céu com a ilusão de infinitude]

- para isto não faltam marinheiros

eu escolhi trilhar o caminho oposto

nasci com vocação para asas

mas quero me aninhar juto daqueles

que entendem a grandeza do pouso

[há que se ter coragem 

para saber ter ninho]

(Wendel Valadares)

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vem de muito antes este cansaço

de um lugar fora e além do tempo

vem de muito longe este pouso

de um voo imenso e corajoso

vem de dentro este sono ancestral

do mais profundo e infindável sonho

vem de algum lugar em mim este pássaro 

atravessou incontáveis insônias

para estar aqui

e agora que as asas repousam seguras

adormeço nesta memória enternecida

que me ensina a ter ninho

(Wendel Valadares)

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DEPOIS DE AMANHÃ

percorro dias meses anos

conto os segundos para inaugurar teus braços

espero por ti como jamais soube esperar 

qualquer outra coisa

em qualquer outro tempo

nunca soube ser exato em nada

mas quando estou ao teu lado 

compreendo todas as matemáticas 

sei que um mais um são infinitos

 

nossa soma desencadeia todas as possibilidades

por isso, agora que você chegou,

peço-te

dança comigo este silêncio

que nossos corpos são música 

e nosso tempo é sempre

o mundo pode acabar no próximo segundo 

que nós dois continuaremos 

(Wendel Valadares)

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 tento um poema como quem tenta a sorte
apostando todas as fichas na palavra exata

para isso agrupo letras 
construo imagens 
invento rimas
procuro encontrar 
o ritmo exato 
da escrita

às vezes é preciso um tremendo esforço

- ofício de horas

às vezes é bem simples

- basta não ter medo 

(Wendel Valadares)

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aprendo com minha solidão

percorro vazios lembranças saudades

revisito paisagens que inaugurei no futuro

- faço o possível para ser possível

aprendo com minha solidão

expurgo mágoas medos mitos

reorganizo os percursos da leveza

- conheço os silêncios do meu corpo

aprendo com minha solidão

assim como reconheço a origem desta melancolia

sei também de onde nasce a alegria

- alguma coisa amarela que me salva

(Wendel Valadares)

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DEGRAU POR DEGRAU

                                                   cada 

                                               palavra

                                            fica

                                        à espreita

(Wendel Valadares)

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Esperança é a planta que germina, mesmo não semeada."

-  Carlos Drummond de Andrade - O avesso das Coisas

observa bem este campo de lavandas

vê o momento em que o sol toca as pontas das flores

e alguma sombra se aninha embaixo das folhas

vê que é possível sentir a textura da luz 

sentir o ar abraçando delicadamente o roxo de cada pétala

sentir a calmaria do perfume penetrando o olhar

um campo de lavandas é mais que uma paisagem

é um gesto que o mundo nos oferece

poema que ninguém escreveu

epifania

(Wendel Valadares)

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meu amor

quero abraçar tuas asas

acariciar a suavidade da tua plumagem

sorver a água orvalhada dos teus olhos

beber do teu bico minha sede de azul

meu amor

quero oferecer-te ninho nos dias rubros

voar contigo nos dias claros e em todos os outros

experimentar o amanhã da tua companhia

inventar um passado de muitos séculos ao teu lado

meu amor

quero chamar-te 

pássara-

poesia-

pessoa-

paz 

chamar-te

amor

(Wendel Valadares)

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TARDE

 

um par de araras coloridas cruza o céu em sua hora mais quente

suas asas abertas são como dois arco-íris deslizando pelo azul

 

 

CREPÚSCULO

 

hora do incêndio

o céu vai ficando comovido comovido

 

 

NOITE

 

cansadas do alto as folhas das árvores saltam serelepes

aproveitam a calmaria da noite para se aproximarem das raízes

 

 

MADRUGADA

 

os pássaros ficam em silêncio

hora em que as asas preparam o próximo voo

 

 

ALVORADA

 

o pássaro amarelo acende o dia

leva no bico a promessa da alegria

(Wendel Valadares)

 Imagem disponível gratuitamente no site pixabay

quero alguma coisa com você

e poderia pensar em uma imensa lista

com toques olhares silêncios

café da manhã domingos preguiçosos

passeios no parque sorvete na pracinha

e infinitos infinitos ao seu lado

mas eu quero mais

quero alguma coisa com você

alguma coisa que seja simples alegre perfumada

feito um campo de alecrim

alguma coisa que não precise começar nem acabar

alguma coisa como você

alguma coisa

você

(Wendel Valadares)

Imagem disponível gratuitamente no site pixabay

Não é possível adiar a vida.

(Caio Fernando Abreu)

quero a serenidade dos seres que acordam antes

das criaturas que mal podem esperar

que estão à espreita de novas possibilidades

que se antecipam ao sol e se iluminam 

antes mesmo de serem tocadas pela luz do dia

quero a serenidade de uma borboleta amarela

que pousa confiantemente sobre a flor

e se confunde com ela

flor-alada que voa acordando o dia

quero a serenidade de quem faz um verso

como quem aprendeu a olhar

(Wendel Valadares)

Imagem disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/gonepteryx-rhamni-borboleta-1583068/

COLHEITA #03

Escritos que colhi dos meus cadernos:

Escrever como quem ensina um pássaro a voar:

buscando dentro de si o voo que já está preparado. 

***

Escrever como quem adia o futuro.

Imagem: © Joel Robison

Morreu um homem que sonhava, 

a terra está triste como uma viúva.

(Mia Couto - Terra Sonâmbula)

                                         Imagem: © Ronny Garcia Moron      

é tudo tão efêmero e, por isso mesmo, dura para sempre. 

e para sempre é muito imenso. 

na falta do que dizer nesta hora eterna, 

tento estas poucas palavras cheias de silêncios e afetos. 

recebe este meu abraço 

que é pássaro e voa ao teu encontro. 

Para uma grande amiga, 

pela perda de seu avô.

ESCOLHER

                                             Imagem: © Kyle Thompson

certa vocação para inclinar a cabeça
como se estivesse sempre carregando um peso

não
mais que isso
inclinar a cabeça
como se estivesse reverenciando o mundo

não
mais que isso
inclinar a cabeça
como quem aprendeu a olhar o caminho

não
mais que isso
inclinar a cabeça
como quem tem a possibilidade de levantá-la

não
mais que isso
inclinar a cabeça
como quem escolheu inclinar a cabeça

sim
é isso
escolher

(Wendel Valadares)

COLHEITA #02

 Escritos que colhi dos meus cadernos:

o coração já sabe a direção

é preciso ensinar aos pés

o caminho

                                                       Imagem: © Joel Robison

COLHEITA #01

Escritos que colhi dos meus cadernos:

Compreender vai além do olhar.

Compreende-se, sobretudo, com o coração.

Os olhos capturam a cena, mas logo são traídos pelo medo.

O coração, por sua vez, acolhe a epifânia.

O coração transfigurado.

O coração enxerga mais longe.

(Os cegos compreendem com o coração pois a luz está do lado de dentro)

                                            Imagem: © Ronny Garcia Moron