segunda-feira, 30 de setembro de 2019

O RESPIRO


"A borboleta pousada:
ou é Deus ou é nada."

(Adélia Prado)
                                          Imagem: © Brian Oldham

Há que se ter serenidade para não apressar o voo das borboletas. 


(Wendel Valadares)

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

FELIZ NOVO

"[...] e acreditai: perfumes.
Só porque é setembro.

(Adélia Prado)



Imagem: © Collin McAdoo



Setembro tem um "Q" de recomeço. 
Acho que por causa dos ipês 
que forram o chão com suas flores. 
Acho que por causa do fim do inverno 
- que é um período que gosto bastante, 
diga-se de passagem. 
Mas, pensar nos brotos se renovando
e nas cigarras estourando o peito
de tanto gritar sua esperança,
me faz acreditar que 
um mundo melhor é possível.

Pudesse eu mudar o calendário
começaria o ano em setembro.
E, como tenho tentado 
andar na contramão do relógio,
vou começar o meu ano agora!

Feliz novo: o ano, a estação, 
a esperança, a vida. 
Qualquer novo. 


(Wendel Valadares)

domingo, 15 de setembro de 2019

"Eu fiz um livro mas, 
oh meu Deus, 
não perdi a poesia." 

(Adélia Prado)



Manhã de domingo.
O sol arde sob o céu azul
como se fosse urgente
derramar toda a sua luz.
Algumas lembranças se insinuam
e eu quase não consigo abrir os olhos.
Viajo pra dentro sem medo do relógio.
Já houve um tempo de delicadezas,
tempo de afetos, capim cidreira
perfumando o quintal,
sms dizendo "pensei em você
com todo o meu pensamento".
Escrevo um silêncio e ele diz tanto.
Olho alguns cadernos antigos,
as últimas folhas rabiscadas
testando a tinta da caneta ou
reclamando da chatice da aula.
No meio das desinformações
um poema do Quintana.
Tenho achado o mundo
muito tecno-ilógico
(quem inventou esse termo?).
Metade de setembro
e nada das cigarras.
Por isso essa demora da chuva.
Por isso os ventos de agosto
insistem em nos empurrar.
Se o que escrevo não faz sentido,
pouco me importa.
Mas, me responda,
faz sentir?
Não sei quem é você
que está lendo isto aqui
mas, de alguma forma, penso em você
e te mando um abraço de um
jeito que eu inventei. 


(Wendel Valadares)
.
.
.
Ps.: Foto de 2013, lançamento do meu livro A tradução do silêncio.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

A CASA É SUA


Se lhe digo: não repara a bagunça
assumo que sua visita me deixa desconfortável. 

Se lhe digo: lide com minha bagunça
abro as portas e permito que a casa seja sua
permito que você participe da minha intimidade
permito que você faça morada
permito até que você passe um café. 



- De quando um amigo chegou de surpresa.  
Setembro tem dessas coisas. 


                                  Imagem: © Joel Robison

sábado, 7 de setembro de 2019

CARTA PARA A.

Imagem: © Joel Robison


Querido A.,

escrevo porque a noite está pesada demais para os meus olhos. Me viro para o lado e vejo meus livros todos enfileirados, coloridos, radiantes, cheios de histórias e possibilidades. Me acho bonito quando me enxergo neles. Me acho bonito quando penso que estou escondido em algumas histórias ou quando fantasio que algum autor escreveu aquele livro especialmente pra mim. Imaginar um lugar melhor é o que tem me dado forças para não sucumbir à esses dias pesados nesse país que cada vez mais se perde e nos desumaniza.

Sabe A., tenho precisado muito de coisas bonitas. Hoje fui ao mercado e fiz questão de passear vagarosamente pela seção das flores. Queria fechar os olhos e dançar como se estivesse sozinho no mundo. Podia ser uma daquelas valsas do filme da Amélie Poulain ou a Tulipa Ruiz cantando "Efêmera". E eu rodando, rodando, rodando até perder o equilíbrio e cair. De repente abriria os olhos e estaria num campo de girassóis. É bonito imaginar. Consegue imaginar comigo? Pensei até em te convidar pra gente rodar juntos no meio do supermercado, parecendo dois bobos. Se você animar eu te compro um doce de leite como recompensa. Proposta irresistível, hein?!

Meu amigo, tenho sofrido um pouco com as distancias que a vida de adulto nos impõe. Sinto falta de trazer algum amigo pra dormir aqui em casa e a gente ficar a madrugada toda conversando sobre tudo, resolvendo os problemas da humanidade ou ouvindo Belchior, embasbacados pela genialidade das letras. A sensação é a de que quanto mais a gente cresce menos tempo a gente tem pro que é bonito. Tenho usado bastante a palavra bonito. Mas quando algo é bonito demais eu prefiro dizer belezura. No caminho em que passo diariamente para ir para o trabalho tem (eu sei que deveria usar 'há') um pé-de-ipê que tá uma belezura. Explodindo de tanto amarelo. Eu passo de ônibus olhando olhando até sentir que também fiquei amarelo e bonito, radiante.

Escrevo "amarelo" e logo me lembro de dois títulos de livros: "Tudo se ilumina" e "Toda luz que não podemos ver". Não li nenhum dos dois, mas acho os títulos tão bonitos. Talvez eu nem leia, é mais seguro imaginar. Acho até que já te contei que sou apaixonado por títulos de livros. Passaria horas na livraria só conhecendo os títulos, sem me interessar pelas histórias. Depois ficaria repetindo os títulos bonitos numa espécie de mantra: tudo-se-ilumina-tudo-se-ilumina-tudo-se-ilumina-tudo-se-ilumina...

A., perdoe a falta de assunto, eu só queria uma companhia pra conversar um pouquinho até o sono chegar. Espero que esteja tudo bem contigo e que os dias estejam mais bonitos por aí. E por falar em dias bonitos, eu tô numa saudade danada da chuva. Meu Deus do céu, como eu gosto de chuva. Bom, se entrei no tema do clima é porque o assunto, que já era bobo, acabou de vez. 

Então finalizo com uma frase do Guimarães. Sim, o Rosa:

"Querer bem não tem beiradas."

Te abraço enorme. 

Wendel