sábado, 7 de setembro de 2019

CARTA PARA A.

Imagem: © Joel Robison


Querido A.,

escrevo porque a noite está pesada demais para os meus olhos. Me viro para o lado e vejo meus livros todos enfileirados, coloridos, radiantes, cheios de histórias e possibilidades. Me acho bonito quando me enxergo neles. Me acho bonito quando penso que estou escondido em algumas histórias ou quando fantasio que algum autor escreveu aquele livro especialmente pra mim. Imaginar um lugar melhor é o que tem me dado forças para não sucumbir à esses dias pesados nesse país que cada vez mais se perde e nos desumaniza.

Sabe A., tenho precisado muito de coisas bonitas. Hoje fui ao mercado e fiz questão de passear vagarosamente pela seção das flores. Queria fechar os olhos e dançar como se estivesse sozinho no mundo. Podia ser uma daquelas valsas do filme da Amélie Poulain ou a Tulipa Ruiz cantando "Efêmera". E eu rodando, rodando, rodando até perder o equilíbrio e cair. De repente abriria os olhos e estaria num campo de girassóis. É bonito imaginar. Consegue imaginar comigo? Pensei até em te convidar pra gente rodar juntos no meio do supermercado, parecendo dois bobos. Se você animar eu te compro um doce de leite como recompensa. Proposta irresistível, hein?!

Meu amigo, tenho sofrido um pouco com as distancias que a vida de adulto nos impõe. Sinto falta de trazer algum amigo pra dormir aqui em casa e a gente ficar a madrugada toda conversando sobre tudo, resolvendo os problemas da humanidade ou ouvindo Belchior, embasbacados pela genialidade das letras. A sensação é a de que quanto mais a gente cresce menos tempo a gente tem pro que é bonito. Tenho usado bastante a palavra bonito. Mas quando algo é bonito demais eu prefiro dizer belezura. No caminho em que passo diariamente para ir para o trabalho tem (eu sei que deveria usar 'há') um pé-de-ipê que tá uma belezura. Explodindo de tanto amarelo. Eu passo de ônibus olhando olhando até sentir que também fiquei amarelo e bonito, radiante.

Escrevo "amarelo" e logo me lembro de dois títulos de livros: "Tudo se ilumina" e "Toda luz que não podemos ver". Não li nenhum dos dois, mas acho os títulos tão bonitos. Talvez eu nem leia, é mais seguro imaginar. Acho até que já te contei que sou apaixonado por títulos de livros. Passaria horas na livraria só conhecendo os títulos, sem me interessar pelas histórias. Depois ficaria repetindo os títulos bonitos numa espécie de mantra: tudo-se-ilumina-tudo-se-ilumina-tudo-se-ilumina-tudo-se-ilumina...

A., perdoe a falta de assunto, eu só queria uma companhia pra conversar um pouquinho até o sono chegar. Espero que esteja tudo bem contigo e que os dias estejam mais bonitos por aí. E por falar em dias bonitos, eu tô numa saudade danada da chuva. Meu Deus do céu, como eu gosto de chuva. Bom, se entrei no tema do clima é porque o assunto, que já era bobo, acabou de vez. 

Então finalizo com uma frase do Guimarães. Sim, o Rosa:

"Querer bem não tem beiradas."

Te abraço enorme. 

Wendel 

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