sexta-feira, 11 de outubro de 2019

PEQUENOS SALVAMENTOS


Zid,

resolvi cumprir com o prometido e já saí de casa com o fone de ouvido preparado. Entrei no ônibus e me sentei confortavelmente - na medida do possível. Fones no ouvido, play no áudio com tua voz lendo Rubem Alves. Olhar atento aos canteiros da avenida, buscando qualquer flor para que eu pudesse dizer a ela, ainda que em pensamento, que alguém escreveu uma crônica em sua defesa. E esse alguém era o Rubem. Tão bonita essa crônica. E eu espantado porque nunca pensei que as flores precisassem de defesa, já que elas me atacam e me desarmam constantemente. Então, é isso que eu queria escrever, Zid. Que as flores me desarmam. Eu desaconteço quando as flores me olham. Se for amarela eu desexisto na hora. E renasço, amarelo como ela. Pétala-por-pétala. Depois - alguns dias depois - tem sua voz de novo, dessa vez com Manoel. Manoel também me desacontece, meio que de dentro pra fora, não sei explicar. Deve ser o barro no nome dele, só que no plural. Deve ser porque eu sou barroco. Talvez a gente tenha sido feito do mesmo barro (muito pretensioso?).
A salvação chega, Zid. Não foi o que você disse no áudio, que anda em busca de salvamentos? Pois então, repito: a salvação chega. No mansinho, miudinho, como diria Guimarães. Um áudio, um e-mail, um passarinho que canta justo na hora em que a gente tá passando. Uma cigarra rachando o peito de tanto gritar. Uma joaninha ou uma flor que ninguém mais viu. Alguém que curte a sua foto numa rede social e você pensa: como eu gosto dessa pessoa. É assim que a salvação chega. Tão bobinha a salvação, não acha? Santa Teresinha disse que "pensar numa pessoa que se ama é rezar por ela". Acho que foi uma das coisas mais verdadeiras que já aprendi na vida. Então, minha cara Zid, temos rezado bastante um pelo outro e por tantos outros e outros tantos por nós. É bonita essa rede de gente do bem. E é por isso que a salvação chega, Zid, porque a beleza nos salvará. 
Outro dia você me salvou com o conselho do chá pra melhorar os dias. Tô pensando até em cultivar um pezinho de alecrim aqui em casa. 

À propósito, aceita um chá?

                                    Imagem: © Joel Robison

2 comentários:

  1. "Olhar atento aos canteiros da avenida, buscando qualquer flor para que eu pudesse dizer a ela, ainda que em pensamento, que alguém escreveu uma crônica em sua defesa."


    Isto, Wend, foi uma das coisas, poucas, lindas, que eu li nos últimos tempos da minha alma."


    Eu até acreditaria em coincidência, não fossem os pensamentos. Você vai entender. Te abraço com uma certa saudade.

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  2. Lindos escritos de um dos leitores mais ávidos que conheço. Palavra incríveis, Wendel

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