domingo, 11 de setembro de 2016

CENA COTIDIANA

Imagem: © S t u d i o t r o i s

Pensei em pedir: deita aqui comigo, meu bem, tô tão infeliz, me ajuda a sobreviver. Mas já havia uma resposta pronta querendo saltar da minha boca e o meu mecanismo de defesa funciona mais rápido que a velocidade da luz e então eu disse: tô bem, tô tranquilo e você, como está? Sei que você respondeu alguma coisa mas, desculpa, não prestei atenção porque queria consertar meu erro e dizer: -é mentira, não tô bem não, tô sentindo a sua falta, me abraça e deixa eu ficar umas duas horas sentindo seu coração bater junto do meu. Mas fraquejei quando, em seguida,  você disse que estava fazendo novos planos, querendo viajar . Queria olhar na sua cara e te chamar de cretina, mas tudo que fiz foi abaixar a cabeça e dizer: - que bom, fico feliz, viajar é sempre bom. Aceita um suco? E você aceitou. E eu achei de uma crueldade sem fim sua conduta e desejei que você engasgasse. E você quase se engasgou e eu fiquei meio desesperado e paralisei por uns segundos, mas foi só um susto e você continuou sorrindo e eu lhe achei cruel mais uma vez e então disse que adorava o seu sorriso. Meu Deus, como sou cínico, porque eu queria gritar pra você tirar esse sorriso forçado da cara, porque eu não suportava a ideia de que você pudesse sorrir longe de mim e passei muitos anos acreditando que eu era o motivo do seu sorriso. E então eu apertei os olhos e esbocei um sorriso ridículo. E você notou que era forçado e tentou mudar de assunto comentando sobre o calor. E eu acho tão patético quando alguém pergunta sobre o tempo pra quebrar o gelo. E o que eu queria realmente era congelar você naquele momento. Mas tudo o que fizemos foi nos abraçar e dizer: qualquer hora a gente se encontra. E então você se foi e eu também fui. E nunca deveríamos ter vindo. Nunca deveríamos ter ido. E fim.

(Wendel Valadares)