domingo, 22 de abril de 2012

Dia Branco


Pausa na dor é o meu ensejo. Imploro.
Arranca-me desta horta sem adubo
E transporta-me para um canteiro de terra fértil,
Onde a alegria tem raízes firmes
E faz gerar sementes de simplicidade.
Basta apenas percorrer alguns quilômetros
E a solidão vira lembrança. A vida urde.
O sol é um só, mas aquece de diferentes maneiras.
Tão bom quanto o bolo de aniversário que ganhei
Quando fiz nove anos, foi este dia no mês de abril,
Um piquenique no parque.
Lembro a toalha roxa na grama verde,
Nós sentados juntos à sombra das árvores,
A bem querência estampada nos sorrisos
E a alegria saltando nos olhos.
De vento em prosa o dia seguia corriqueiro,
Enquanto as formigas se esbanjavam nas migalhas.
É possível ser feliz no domingo.

(Wendel Valadares)

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Carta para um amigo distante

Embora haja em nossas vidas tantos contratempos, passatempos, cata-ventos e intentos, o mundo parece girar ao contrário do passo que caminhamos, começamos tudo sempre tão bem, tão próximos, tão apegados, mas depois de algum tempo corrido, parece que tudo vai se distanciando, esmorecendo. Acontece assim com tudo, não que as coisas ou as pessoas vão perdendo o seu valor ou a sua importância pra nós, não é isso. É como se cada um de nós fosse uma corda independente que pra crescer precisa ir se amarrando a outras cordas e se tornando cada vez maior e mais forte, mas essa corda é tão esticada às vezes que nos dá a sensação de que alguns nós vão se afrouxando e quando isso ocorre a primeira coisa que nos vem a cabeça é que o nó se soltou, um pedaço da corda se perdeu, mas não é isso que ocorre, os nós afrouxam mesmo, se desgastam, mas tudo o que eles precisam é de uma mão que os segure e os aperte, para que eles sejam restabelecidos com o mesmo vigor de outrora. Só precisamos apertar o nó, fazer a corda ficar forte outra vez, não é uma tarefa simples, só quem muito viveu e muito aprendeu com a vida pode reforçar esse nó, mas quando isso acontece é como se ele nunca tivesse afrouxado, a ligação da corda é a mesma de sempre, a afinidade permanece porque ela não foi colocada ali por alguém, ela foi conquistada ao longo dos anos, foi ganha na vivência.
Amigo, talvez hoje a distância seja outra, o silêncio seja outro, os caminhos sejam outros, os projetos sejam outros, as intenções sejam outras, mas a CORDA é a mesma, só precisamos apertar o nó.


PS. A saudade dói diuturnamente.

(Wendel Valadares - Para o meu amigo Diógenes pela ocasião do seu aniversário)

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Peculiar

Só quero amor e dor
E tudo mais que cabe nesse intervalo.
Segunda-feira é bom e ruim,
Réstia de domingo mal digerido.
Eu gosto é da terça-feira,
Tem tudo o que tem na segunda,
Mas não é.

(Wendel Valadares)


domingo, 8 de abril de 2012

É domingo

Domingo à noite eu nunca estou bem,
Não é o meu dia predileto, embora devesse ser,
Mas acho que por saber que assim eu me sinto
Eu já esteja bem, por assim dizer.
Sinto um sei lá o que, uma coisa, um “trem”,
Nem suco de maracujá, nem melancia,
Nem noticia boa me animam.
Se eu estou triste? Não.
Se eu estou carente? Não.
Se eu estou cansado? Não.
Então eu estou o que? Só estou,
Não preciso do por que.
Quero escrever trezentas palavras,
Mas não consigo uma sequer,
Quero dormir, mas não tenho sono,
Quero chorar, mas não tenho choro,
Quero entender, mas entender o que?
Vagueio e divago quando o que quero
É só ver a hora passar
E subitamente o relógio anuncia
É segunda-feira, mas ainda não amanheceu.

(Wendel Valadares)

Insano

Tenho companhia, não sou mais só,
O paradoxo mora aqui comigo,
Vejo-o sempre que passo diante do espelho.
É tão reconfortante admirá-lo,
Me dá uma satisfação interior
Saber que eu não sou louco sozinho.

(Wendel Valadares)

Avassaladora

A saudade me fere o intestino,
Me suga o sossego e me aporrinha,
Me dói, me corrói e me corrompe.
Me transporta pra onde eu não posso estar,
Me faz desejar até ferir a alma
E me joga no chão pra colher a dor.
Depois ela vai embora e me deixa sozinho,
Chorando as minhas impossibilidades.
Ela não gosta do meu choro,
Mas não suporta o meu riso.

(Wendel Valadares)

Distâncias

A tarde quente me enfastia e me dói a bexiga,
Neste arpejo de melodias distantes que entoo.
Bebo líquidos para dissolver o que aqui me empanzina,
Será a má digestão a causadora destas ânsias?
Digo-vos que não e afirmo, é a saudade que me dói a alma.

(Wendel Valadares)

sábado, 7 de abril de 2012

Poema para me encontrar

Este céu azul esbranquiçado cruza o infinito
E cabe dentro dos meus olhos.
Este vento que ninguém sabe conter,
Eu o retenho e o guardo
Num baú de memórias imperecíveis.
Este afeto que eu sinto
Quando me lembro de algumas pessoas,
As palavras por si só não sabem descrevê-lo,
Mas eu o tenho, tão forte quando a minha própria alma.
Este meu jeito de juntar as palavras
Dá vida ao inanimado
E torna grandiosas as coisas mais simples
E insignificantes deste mundo.
Estas maneiras que eu encontrei
Que a vida ensinou, que Deus me deu,
São apenas uma forma de me entender.
Não estou perdido, só estou tentando me encontrar.

(Wendel Valadares)


sexta-feira, 6 de abril de 2012

Gira girassol

Gira o mundo porque é redondo,
Rodopia e rebola nas entranhas do infinito.
Gira o espaço e o tempo e haja contratempo.
A vida gira ao contrário, mas no rumo certo,
E quem vai explicar o deserto e o incerto,
Afinal de contas, quem é o esperto?
Gira a bola encosta abaixo
E pra cima fica a rima,
Fica o sonho da menina,
O cheiro da naftalina,
A música que anima
E o menino que chutou a bola.
Gira a hora no relógio, na toada certa,
Roda na cintura o bambolê, a criança esperta,
Pula a janela, sobe no muro, joga pedra e acerta.
Gira o sol estralado no céu azul
E o girassol acompanha o giro de norte a sul.

(Wendel Valadares)


Sobre a ausência

Ah, a ausência
Essa inquilina inoportuna
Das nossas moradas interiores.
Causa uma dor que se mistura a carência,
Tira a sã consciência
E se liquefaz em gotas salobras.
A sua voz ecoa dentro em nós,
Repercutindo em nossos vagos,
Avisando e urdindo
Que um pedaço nos falta.
Um olhar e ela se esmorece,
Um abraço e ela padece,
Sua força cresce do distanciamento,
E a ferida que ela nos causa
É fácil curada, com a simples presença.

(Wendel Valadares)


Instante

Verbalizo a cena, enceno,
Eternizo o verbo, aceno,
Entronizo o sonho ameno,
E adormeço feliz, sereno.

(Wendel Valadares)


Sexta-Feira Santa

Silenciosamente a aurora chegou,
Receosa e humilde veio devagarinho,
Sem querer ser o espetáculo do dia.
O ar é denso, há um clima hostil pairando,
Uma fadiga que já é sabida dos homens.
O dia é todo silêncio, uma tortura aos ouvidos,
Espera-se ouvir um som de conforto qualquer,
Mas este não existe, não nesta hora, não hoje.
Nem os animais atrapalham, emudeceram,
As cigarras e os grilos cessaram seus cantos
E os pássaros não deixaram seus ninhos.
A mãe adverte às suas crias que se aquietem,
Não podem brincar nem ouvir música,
E caminha desorientada pela casa
Com o rosário na mão, em preces.
As tradicionais não varrem a casa,
Não penteiam os cabelos,
Passam o dia a pão, água e orações,
Até os sorrisos estão embaçados.
Às três da tarde o mundo para,
Beija a cruz, reza e chora.
Uma palavra define este dia: tristeza,
Que logo será mais bem explicada: amor!
Rezemos juntos o salmo que diz:
Os que semeiam entre lágrimas
Recolherão com alegria.
É sexta-Feira da Paixão de Nosso Senhor.

(Wendel Valadares)




quinta-feira, 5 de abril de 2012

O Cântico de Maria

Contornada de uma pureza inigualável
E uma castidade inviolada
A Mulher, Virgem, Mãe e Santa
Padece na alma o sofrimento do filho
E o entrega imaculado ao martírio.
Seu intento e choro doloroso
Não são lamúrias, cabíveis aos pecadores.
Seu silêncio e seu olhar ecoam aos quatro ventos,
Uma melodia que louva a Deus e súplica:
-Ó Deus, pai de todos os homens,
Vê o sofrimento da humanidade
E se compadece do seu povo.
Eis que a vossa humilde serva,
Nesta hora de ânsias inflamadas
Vos entrega este cordeiro puro,
Esta criança inocente
Para apagar as infâmias dos homens.
Inunda-me Ó ditoso Senhor
De teu amor infinito
Nesta cruz da alma invisível aos olhos,
Eis a vossa esposa que prontamente vos serve. 

(Wendel Valadares)


O Martírio

Por que as rosas murcham, as puras,
Exauridas de uma beleza imortal.
Sofrem a duras penas
O simples ato de desabrochar.
Simples, disse eu? Como é complexo.
Hão de enfrentar podas e invernos,
Calor e frio suportam tímidas as roseiras,
Ornadas de uma coroa de espinhos virtuosos.
Maturam ao sabor do vento,
Colhendo a água da terra infértil
E explodem por não saberem mais se conter.
Pétala por pétala, vão ganhando expressão,
Vão resplandecendo suas cores viris
E imortalizando-se ante os olhos admirados.
Mas elas murcham, se despetalam,
Entregam-se às consequências do tempo,
Gastam toda a sua beleza de uma só vez,
Não se guardam para si, dão-se plenamente.
Feito o cristo murcho na cruz, gastado de dores,
Dado todo a nós, incondicionalmente,
Despetalando-se em sangue e água,
Encarcerado ao caule da Santa Cruz,
Sofrendo as podas e os invernos,
Colhendo o sulco divino do céu.
E a rosa despenca da roseira,
E o cristo renasce glorioso,
É a rosa da eternidade.

(Wendel Valadares)


quarta-feira, 4 de abril de 2012

O canto das essências

Sou canção e melodia,
Sou ritmo e harmonia,
Eu sou musica desafinada.

Sou porção de um inteiro,
Sou broto novo no canteiro,
Eu sou semente germinando.

Sou raio de sol na manhã,
Sou liberdade louçã,
Eu sou flor desabrochando.

Sou brisa refrescante,
Sou paisagem extasiante,
Eu sou cristal reluzente.

Sou afeto e ternura,
Sou pureza e sou candura,
Eu sou puro sentimento.

Sou rebento de esperança,
Sou coragem e confiança,
Eu sou a fé e o amor.

(Wendel Valadares)


terça-feira, 3 de abril de 2012

O poeta ficou feliz

Desanuviei meu céu, derramei o fel,
Esgotei o pranto acumulado
E amanheci dentro de mim.
Teci uma primavera particular,
Onde apenas desabrocham sonhos bons
E me joguei com todas as forças
Nessa estação interior de renovação.
Espaireci, cresci, nasci
E fui feliz agora e pra sempre.
E assim sendo, tanto mais pretendo ser,
Sorriso branco nos dias negros,
Prato comovido nos dias tristes,
Girassol nos dias ensolarados,
Carrossel nos dias alegres
E esperança nova nos dias enevoados.
Me confrontei e me venci
E percebi que o bom da vida
É ser do jeito que eu sou,
É deixar brotar toda essência
E me descobrir novo e forte
Cada vez que a luta exige.


(Wendel Valadares)


domingo, 1 de abril de 2012

O poeta ficou triste

O som da noite me embala,
Em ritmo eu acompanho a valsa,
Uma melodia fúnebre, infeliz,
Trazendo uma tristeza indivisível,
Dilacerando em pedaços a alma.
Todos os domingos eu fico triste,
É a minha rotina, meu método,
Choro na noite as frustações do dia,
É a sina que obedeço e cumpro,
Depois eu fico bom, finjo que fico,
Engano e me engano, disfarço.
Pra essa gente superficial
Sorriso no rosto é alegria garantida.
Mal sabem eles que a tristeza
Se esconde nos olhos.
É no olhar que mora a verdade,
O reflexo de cada pessoa,
E quem aprendeu a ler os meus olhos
Sabe que a minha tristeza é feliz
E que o meu pranto é alegre.
Hoje eu estou triste, amanhã...

(Wendel Valadares)

Domingo de Ramos

Ao Rei majestoso que entre nós caminha
Nossos braços são ramos estendidos,
Saudando-te, generosamente infiéis.
Esta estrada enfeitada que percorres
São os nossos pecados disfarçados,
Encaminhando-te, ó Pai piedoso,
Para o sofrimento que é nosso.
Lança sobre nós o teu olhar bondoso
E vê além das nossas máscaras,
Passa por cima da nossa mediocridade,
Dessa insanidade consumista
Que busca o prazer a qualquer preço
E se esquece constantemente de vós.
Nós Vos amamos quando convém
E vos invocamos na dor
E tão costumeiros não atribuímos a Vós
A nossa alegria tão divina e providencial.
Hosana hei, Hosana há,
Salve o Cristo Majestoso
A caminho do martírio.
Cantamos alegres a sua morte
E festejamos tua páscoa sem dor,
Passa por nós na procissão, ó Jesus,
E vai apagando os nossos erros.

(Wendel Valadares)


O amor quer ternura

Reza o verso que o amor é magico
E o olhar é místico, incandescente,
Fervilha nas pupilas dilatadas
Esse ar de querer consumir-se n’algo.
O homem é a incompletude perfeita,
Não sabe ser feliz por si só, carece.
É carente por essência, por criação,
Não uma carência “piegas”, melodramática,
De choramingar frustrações,
Mas uma necessidade divina
De encontrar-se em algo que não é,
Que não está em si, externo.
No entardecer haveremos de perceber
Que o que carecemos é de ternura,
Necessitamos de um amor casto.
O amor é maior que o sexo,
Ama sem querer possuir,
Quer distribuir seu prazer, não ganha-lo,
E o seu gozo é duradouro e intenso.
O amor dói de tanto amar.
O amor é mais puro do que nós.
O ósculo do amor é santo.

(Wendel Valadares)